terça-feira, 3 de junho de 2008

Leitura em tempos de Globalização (2004)

Leitura: velhas e novas práticas em tempos de globalização
Ana Lúcia Silva Souza

Criar meu website
Fazer minha home-page
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje
Que veleje nesse informar
(...)
Eu quero entrar na rede
Promover um debate...
(Pela Internet – música de Gilberto Gil)
Resumo
O presente artigo pretende suscitar reflexões sobre a importância da formação de bons leitores e a necessidade de jovens e adolescentes, principalmente, poderem usar a linguagem, seja ela oral ou escrita, nas diversas situações, com o objetivo de se inserir criticamente na sociedade que nos cerca. Dessa maneira, reafirma a leitura e a oralidade como elementos fundamentais para o exercício da cidadania.
Substract
This article aims to raise thoughts on the importance of training for good readers and the need for young people and teenagers, especially, can use the language, whether oral or written, in various situations, in order to fall critically in society that surrounds us. Thus, reaffirms the reading and orality as crucial to the exercise of citizenship.

O ato de ler e de falar, em ambiente privado ou público, está cada vez mais presente em um mundo que se proclama globalizado e no qual surgem rápidas mudanças provocadas pelas novas tecnologias digitais. Tais mudanças, já podemos perceber em nosso cotidiano, instauram diferentes maneiras de comunicação e de circulação de informações.
Gilberto Gil ilustra adequadamente esse contexto ao expressar o desejo e a realidade de parte da população do planeta: acessar a rede mundial de computadores e ler, conversar, pesquisar e comunicar-se usufruindo de mais esse bem socialmente produzido.

Aqui no Brasil
Também aqui no Brasil estamos imersos em um mar informatizado, banhando-nos nas águas das mídias mais modernas, que propiciam a recepção instantânea de notícias, a troca de idéias, a realização de pesquisas e até o acesso aos livros eletrônicos.
Há maior disponibilidade de acesso à rede de informações, mesmo para os setores da população com menor poder aquisitivo, proporcionando novas possibilidades de conhecimento e de comunicação. Contudo, a facilidade de acesso a essa rede não deprecia, muito menos invalida, as antigas formas de saber. Apesar de as novas tecnologias digitais terem feito emergir diferentes possibilidades de comunicação, elas não prescindem da linguagem escrita e oral, que continuam a desempenhar o papel de nos aproximar social e historicamente. A informática contribui com, modifica e junta-se às antigas práticas sociais de leitura.
Lamentavelmente aqui no Brasil ainda carecemos de um número maior de leitores que tenham condições, não apenas de acessar a Internet – repleta de textos que magnificamente incorporam imagens, cores, movimentos e sons –, mas também de entender, dialogar, criticar e propor maneiras de inserção dentro desse novo contexto. Quantos podem pode ler, criar, pesquisar, criticar, organizar melhor a sua vida servindo-se também da tecnologia?
Para isso, é necessário revermos o processo de letramento de nossos cidadãos. É sobre esse conceito que trataremos agora.

Letramento e práticas escolares
Letramento é aqui entendido como o conjunto das práticas e dos usos sociais tanto da leitura como da oralidade, realizadas pelos sujeitos em distintos contextos sociais e culturais. Portanto, o letramento requer, além de conhecimentos básicos em relação à língua e ao seu funcionamento, a capacidade de articular com habilidade esses conhecimentos, atribuindo-lhes valores. Tal domínio serve não apenas para enfrentar solicitações, de maneira autônoma, crítica e consciente, como também para intervir e modificar instâncias do entorno social, cultural, político e econômico em que vivemos (SOUZA, 2001: 181).
Assim, letramento diz respeito aos modos como os sujeitos vivem a linguagem e ao uso que dela fazem. Nas palavras de Magda Soares (1998: 72), é ...o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais.
A estrutura familiar, a religião, o grupo de amigos, a participação política, os meios de comunicação escritos e falados – o rádio, a televisão, o cinema, o teatro, os centros culturais – o trabalho, a escola, todas essas instituições são consideradas canais de letramento e de alguma maneira demandam e orientam o uso da linguagem escrita. Quanto maior é o acesso a tais instituições, maiores são as condições de os sujeitos ampliarem o uso da linguagem. Note-se que numa sociedade na qual as desigualdades sociais são cada vez mais gritantes, o acesso aos muitos canais de letramento, condição para que os sujeitos possam inserir-se socialmente e ampliar as práticas de leitura, continua sendo privilégio de alguns.
Das instituições acima citadas, a escola, ainda que não seja a única responsável pela inserção dos sujeitos no mundo letrado, inegavelmente desempenha importante papel. Principalmente a escola pública, que convive com altos índices de pobreza andando sempre de mãos dadas com interdições de toda a sorte.
Diante disso, ao elegermos o espaço educacional como objeto de reflexão emergem algumas questões dirigidas aos responsáveis pelo ensino e aprendizado de crianças, jovens e adultos, em especial das classes menos favorecidas: Quais têm sido as oportunidades de apropriação de conhecimento e de diferentes saberes no que se refere às práticas de leitura? Como têm sido discutidas as diversas formas de manejar esses saberes em diferentes situações e condições sociais? Enfim, como a escola tem inserido os seus estudantes num processo de letramento que dê conta das atuais exigências do sujeito, cidadão e profissional do mundo contemporâneo?
Caso as respostas não sejam bastante precisas mostrando a existência do contato com a cultura e a realidade diversificada dos estudantes, o esforço de pesquisa e de troca e o dinamismo isso pode indicar que temos problemas uma vez que este é o papel da escola. Uma escola que, de maneira sistemática, preocupa-se em criar o leitor usuário e produtor de linguagem, proficiente, crítico e com poderes até mesmo de reivindicar os meios adequados e necessários para promover e participar de debates.
Ao voltarmos no tempo, é possível perceber que, desde as formas mais simples de registro e expressão escrita até as mais complexas, o domínio da linguagem representou poder e sua difusão sempre esteve mais acessível a alguns poucos. Assim, o maior ou menor acesso à escrita esteve, e ainda está, ligado ao lugar que o sujeito ocupa na estrutura social e econômica; aspecto que diz, sem dizer, a que serviria a sua alfabetização ou escolarização.
Aqui no Brasil já passou da hora de oferecer aos estudantes o que Paulo Freire há muito chamou de leitura de mundo. Formar bons leitores é fundamental para qualquer sociedade que se pretende menos injusta e excludente.
As instituições que colaboram, formal ou informalmente, para a inserção das pessoas em um ambiente letrado, em especial a escola, devem estar atentas a essa questão, propondo atividades de leitura que permitam que os sujeitos leiam. Por prazer, por dever ou por necessidade mas leiam.
Um sujeito leitor pode para ler os mais diversos tipos de textos com variadas finalidades: ler contratos, bulas de remédio, manuais de instrução, códigos e leis, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e os que dizem respeito aos direitos e deveres do cidadão; ler para seguir instruções, decifrando, por exemplo, o menu de ajuda do computador; ler para escrever relatórios, cartas de solicitação ou de reclamação; ler para verificar se entendeu a notícia do jornal; ler para apreender a intencionalidade do escritor; ler para obter argumentos para falar, defender-se, criticar e sugerir; ler para sintetizar; ler até mesmo para selecionar o que pode e deve ser lido, para organizar o tempo e a qualidade da leitura.
Um bom leitor deve ser capaz de ler com competência para atender os propósitos e a diversidade de funções que o texto adquire dentro e fora da escola. Portanto pode tanto ler matérias da Internet como ler um panfleto na rua.

O que faço com esse panfleto?
O que faço com esse panfleto? É o que constantemente nos perguntamos ao recebermos um folheto.
O simples ato de recebê-lo e não nos desfazermos dele de imediato abre a possibilidade de tomarmos contato e aproveitarmos os mais diversos tipos de informações escritas que circulam pela cidade.
Um panfleto, assim como qualquer outro texto, fala. E se sua função é comunicar, informar ou convidar para algo, às vezes é bom escutar, ou melhor, ler o que ele tem a nos dizer. Esse panfleto pode ou não trazer algo de interesse para o leitor. Para um professor, por exemplo, ele talvez possa servir de material para as suas aulas.
No caso do panfleto é possível pensar na mensagem nele contida, nos diferentes produtos e serviços oferecidos, nos seus aspectos textuais, nas razões do aumento do número de panfletos nas ruas, no perfil dos entregadores, na postura dos indivíduos diante da abordagem, na conservação ou não das vias públicas, na influência da mídia escrita, na globalização e nos seus efeitos, como a terceirização e o trabalho informal, etc.
Da perspectiva do letramento, há inúmeros e variado tipos de textos que dizem respeito ao contexto social no qual vivemos e situações aparentemente corriqueiras escondem trabalhos instigantes. A troca de idéias fará com que a leitura pareça não ter fim. Dessa forma, o exercício de ler, solitário, assume um caráter plural e coletivo..
O ato de ler permanente e cotidiano está presente em todas as nossas ações. Melhor ainda se realizado consciente e intencionalmente. Vale ressaltar que falar do exercício da cidadania implica, forçosamente, falar do domínio da linguagem tida e vivida como instrumento fundamental na articulação entre o saber e o poder em todos os níveis.

Com quantos paus se faz uma jangada, um barco ou uma canoa?
Podemos trabalhar com a metáfora da sociedade como um imenso tabuleiro de xadrez. Para participar do jogo é necessário conhecer as peças e as regras e muitas vezes reinventá-las, perguntando e respondendo sempre às seguintes questões: Como? Onde? Por que assim e não de outra maneira? Quem sabe possamos começar com perguntas do tipo O que faço com esse panfleto?
Para muitos educadores um trabalho desse tipo talvez signifique ensinar como ainda não ensinaram e mediar a construção de conhecimentos e práticas que porventura ainda precisam aprender. Se isso é mais um desafio, que o enfrentemos. Um primeiro passo é ser ou buscar ser leitor. Ponto.


Bibliografia
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
SOUZA. Ana Lúcia. S. Negritude, letramento e uso social da oralidade. In: CAVALLEIRO, Elaine (org.). Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Summus, 2001.
Fonte da Imagem: (www.dee.ufcg.edu.br)

Ana Lúcia Silva Souza – Professora de Sociologia Geral e Sociologia da Educação, Hoyler - VGP. Socióloga, Doutoranda em Sociologia (UNICAMP), Mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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